OFICINA DA RIN #7 — A morte está vindo? Dê um mortal.

rin
12 min readJun 6, 2024

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Por meio deste, conduzo…

Coloquem suas roupas fúnebres, pois esse será o nosso episódio voltado para a temática MORTE. Sim, ela mesma, o terror de muitos escritores, mas terror maior ainda de quem lê. Vamos discutir um pouco sobre toda a temática e se tudo der certo, a cabeça de vocês vai aumentar de tamanho, então segurem firme aí.

Esse é mais um WORKSHOP DE POBRE, então se esse é o primeiro que acaba por acessar, saiba que existem mais episódios (Dã, esse é o sétimo episódio), por isso sinta-se à vontade para explorar e aproveitar o que foi colocado nos artigos anteriores. Agora podem tocar a marcha fúnebre.

Em uma percepção antropológica e social, a morte é muitas vezes encarada de maneira ruim, principalmente no nosso modelo capitalista e ocidental, que é extremamente individualista. Enquanto nós pessoas comuns tentamos fazer de tudo para continuar vivendo, os ricos pensam em inúmeras maneiras de parar a morte, pois é uma das únicas coisas que eles não conseguem comprar.

Portanto, tentem extrair da mente de vocês exatamente o que seria a morte, tanto matada quanto morrida, mas principalmente os efeitos dela. Se você já perdeu alguém próximo (meus pêsames), tal reflexão acaba vindo de forma mais rápida e creio que a sua abordagem acerca do tema possa até ter tido mudanças (ou não). E, mesmo que a maioria de nós aqui tenhamos majoritariamente sido criados dentro de um modelo ocidental cristão e individualista, há também como expandir nossos horizontes para o que seria a morte em outras culturas e religiões, basta aquele nosso velho macete, nossa grande amiga: A PESQUISA. Pois, dependendo de como sua história se desenrola, uma nova percepção de morte acaba sendo mais interessante.

Enfim, tudo bem, já demos o nosso lembrete de pesquisa e preparamos o nosso terreno para destrinchar melhor essa temática, agora vamos mergulhar um pouco mais dentro do ambiente narrativo.

Observe o mundo que você construiu. Sabe aquela concepção de que existe um grande ser olhando por nós do céu? Para os seus personagens, esse ser é você. Você decide a hora que nascem, se apaixonam, se frustram, riem, choram, morrem. É tipo um The Sims, né? Acho meio engraçado.

É muito importante ter essa visão até para estabelecer o quão autoconsciente você está dentro dessa história, além de se recordar e firmar que tipo de laço existe entre suas palavras e aquelas pessoas, jamais deve tratá-los como objetos, pois isso pode ser uma autossabotagem. Obviamente existem escritores que mesmo tendo esse tipo de conexão, não possuem nenhum remorso em matar algum personagem (tendo cumprido seu propósito ou não), algo meio digno de psicopatia? Talvez, mas é nesses momentos que também se mostra a percepção acinzentada do ser humano.

Ao ter o seu mundo em mãos, é necessário começar observando o tom daquele lugar, vá nas suas notinhas e avalie esse fator, além de todos os detalhes como gênero, temática e outros pontos mais técnicos que foram explorados em episódios anteriores. Como o seu universo enxerga a morte e as consequências dela?

A morte pode ser séria, cômica, dramática, ou uma mistura de todas essas coisas. E é nesse ponto que acho interessante abordar a questão do gênero Battle Royale. Um grupo de pessoas em um jogo, competição, aonde devem matar uns aos outros, geralmente restritos a um ambiente, seja um prédio ou uma ilha inteira. Nós temos inicialmente a própria obra japonesa Battle Royale, que justamente deu nome ao gênero, logo após podemos ver Danganronpa, um jogo japonês, e, por fim, além de ocidental, a própria saga Jogos Vorazes.

São do mesmo gênero, mas abordam seus temas de forma completamente diferentes e apresentam a morte de maneiras diversas. Uma certeza sobre o gênero é que alguém VAI morrer e será MAIS de uma pessoa. E observem como a influência do nosso meio social acaba influenciando esse gênero em específico.

Battle Royale são adolescentes na faixa dos quinze anos sendo deixados em uma ilha para matar uns aos outros até restar somente UM VENCEDOR. Essa é a premissa básica, ou seja, você está avisado que muita gente vai morrer, agora será que vai ser seu personagem favorito? O autor vai conseguir fazer você se importar com outra pessoa além do protagonista? Spoiler: Vai. Ou seja, se alguém larga sua história porque personagens morreram mesmo com uma premissa explícita dessas, então o problema está… em você.

E a morte em Battle Royale é algo mais política e pautada muito nos sentimentos de sonhos não realizados daqueles jovens e a crueldade da vida para com eles até aquele momento. Existe sim algumas coisas propositalmente para chocar, mas também é explorado a emoção e o drama, são vários tipos de mortes representadas.

Enquanto isso, Danganronpa (Dá gatilho? Dagarôpa) é uma visual novel japonesa também nesse gênero de jovens aprisionados em algum lugar tentando vencer um jogo aonde é necessário matar sem ser descoberto. O grande mandante é representado por um ursinho e o sangue é ROSA. E muito disso também é para não ter muita restrição de idade e poder vender mais ($$$). Porém, é interessante visualizar, além das bizarrices, como a morte é colocada no jogo, principalmente porque dessa vez, você sabe que alguém vai morrer e você quer saber quem foi e quem matou. A visão de investigação dá uma virada na trama para quem está acompanhando, podendo até causar uma certa banalização da morte, mas acaba que esses momentos não são glamourizados e são tratados com medo, angústia e pesar por parte dos personagens. O maior problema narrativamente para mim é só o fato de seguirem em frente muito rápido e não apresentarem lá uma mudança no psicológico dos personagens, mas é um bom jogo, gosto muito e influenciou muito o gênero Battle Royale a partir de 2010 para frente.

Agora Jogos Vorazes a autora pode até dizer que não se inspirou diretamente em Battle Royale, mas a gente finge. “Nossa, Rin, então é plágio?” EU NÃO DISSE ISSO! Inspiração é uma coisa, plágio é outra. Jogos Vorazes tem sim suas diferenças, muitas diferenças com Battle Royale, mas os jovens no jogo da morte transmitido pelo estado estão lá. Porém, a morte aqui ela é mais cruel, não no sentido gráfico, mas a construção é trágica desde o início e cada tiro de canhão é notado uma deterioração no estado mental da protagonista. Ação e Consequência.

Só desses exemplos se é possível extrair muitas observações e justamente são exemplos de como a morte pode assumir diversas facetas dependendo de como é apresentada e vista por quem escreve.

Agora vamos mudar um pouquinho o disco: SLASHER (Não tem a ver com o guitarrista do Guns N’ Roses). Aqui é o gênero aonde existe um assassino, ou mais, perseguindo um grupo de pessoas. Nós ainda vamos discutir melhor a questão de quando matar um personagem de forma a afetar positivamente a trama, mas já repararam que geralmente o Slasher COMEÇA com uma morte?

Esse é um aspecto muito importante do gênero, pois você precisa demonstrar nesse início sobre qual é o tipo de perigo a ser enfrentado, além de definir perfeitamente o tom a ser explorado e elevado. Enquanto no Battle Royale o pano de fundo é mais importante do que a morte em si, no Slasher, o pano de fundo é mais trivial (a não ser que você faça uma feijoada).

Então se você vai fazer Slasher, mostre para o que veio no prólogo. Eu já debati um pouco sobre a importância de inserir um prólogo, pois ele serve como um piloto para vender a ideia a quem está lendo. Logo, um Slasher precisa da morte inicial e a maneira de fazer com que ela se torne ainda mais interessante é justamente não deixar as consequências dessa morte passarem despercebidas, pois nada te impede de construir a personagem de maneira póstuma através dos personagens que ficaram vivos. Essa exploração do acontecimento inicial pode se tornar um bom artifício narrativo para resolver certos questionamentos futuros (Por favor, estudem bem o plot de vocês para também não parecer que estão fazendo Retcon, explicado em episódios anteriores, ou tirando do c*).

Além disso, outra dica importante para quem curte o gênero, escreve ou quer escrever sobre, é justamente: ESTUDE O PERIGO. Defina muito bem quem é o assassino, faça uma construção de personagem completa sobre ele, antes e depois de ser a grande pedra no sapato das vítimas. Se for um monstro, então estude bem de onde ele vem e os artifícios narrativos que possam contribuir para a construção dele e a não frustração do leitor, PRINCIPALMENTE quando começa como uma história comum e se torna sobrenatural. Pois o sentimento das coisas acontecerem DO NADA, sem nenhuma construção é extremamente frustrante. A mudança brusca pode chocar? Sim, mas vai dar dez minutos e a pessoa que leu (ou quando reler) vai ver o quão mequetrefe foi.

Portanto, ao construir o personagem, agora pense nas habilidades dele. Como ele executa suas ações, armas, movimentação. Não faça ele parecer fácil de vencer, mas também não faça com que pareça impossível. Por isso tenha cuidado também acerca do grupo de personagens e o nível de inteligência e construção deles, pois pelo menos um ou dois, precisa ter a aptidão necessária para derrotar a ameaça (ou não, pois você pode querer fazer algo diferente aonde o mal vence) e não parecer que o vilão ENFRAQUECEU. Não faça seu vilão ser foda e depois parecer uma batata mole perto dos protagonistas. OFEREÇA PERIGO (Não o de Todo Mundo Odeia o Chris porque ele só vende falsificado, o que também é um perigo).

E entrando na questão de construção e artifício narrativo, vamos retornar ao nosso queridíssimo FORESHADOWING, que é justamente espalhar pistas sobre acontecimentos futuros da trama. E vale dizer que é um artifício INDISPENSÁVEL quando o assunto é morte. Examine o tom, a trama e o nível de periculosidade, além da força entre a ação e consequência, então coloque pistas e indícios de como e quando isso irá acontecer. Até mesmo em narrativas explícitas de “Você só tem mais três meses de vida”, é necessário uma construção acerca do que falei anteriormente, mas também no aspecto da perda de quem vai e quem fica. Em histórias de ação e aventura, a expectativa de vida contada já serve muito para suspense e urgência, podendo culminar em momentos de emoção fortes, então saiba analisar. Porém, em momento algum, esqueça do FORESHADOWING.

Enfim chegamos a um ponto muito interessante: As pessoas lendo sua história podem ficar bravas pela morte de um personagem, mas elas não deveriam largar. E isso acontece pela FRUSTRAÇÃO. Quando um personagem já está inicialmente morto e depois é revelado este fato, o papel é diferente, pois nesse caso a construção é póstuma e essa revelação deve ser feita quando um ponto bem importante do plot já tenha acontecido (especialmente em fanfic, aonde é utilizado personagens pré estabelecidos. Sim, [CENSURADO] de Hyunjin Miranha, estou falando sobre você).

Essa frustração ocorre devido ao mal estudo da trama e do personagem. Todas os personagens são criados com gostos e desgostos, personalidade e ambições, então todas essas características são utilizadas para se criar os chamados arcos de personagem. Não se pode matar um personagem que não cumpriu o seu papel na trama, você até pode, mas aí entra só no âmbito do choque e depois entra no campo somente da preguiça. Inclusive, essas ambições não precisam estar no arco do personagem e deixar elas inacabadas dá mais uma camada de emoção durante a despedida.

Um exemplo é a Star And Stripe de My Hero Academia. Personagem poderosíssima, interessante para caramba que durou o quê? Quatro capítulos? Basicamente apareceu para morrer, super bem construída só para mostrar que é possível ser bem construída e morrer em seguida PARA NADA. Não cumpriu arco, não cumpriu nada, só serviu para mostrar o poder do vilão e nenhum tipo de coisa além disso foi descoberta, ou seja, para nada. Só deixou todo mundo em choque e bravo.

Na maioria das vezes a vítima é sempre personagem secundário, mas ele merece tanta importância quanto um protagonista na hora da morte, especialmente quando tem destaque. Se coloque na mente do leitor, principalmente se tratando de personagem querido ou também daquela reversão de valores com um personagem não tão querido assim. Fulano é rigoroso porque só tentava proteger e isso fica claro quando sua morte acontece, mas nesse caso o foreshadowing precisa fazer sua magia tanto acerca da morte quanto da índole do personagem.

E seu personagem vai morrer por quê? Pelo quê? Você sinceramente acha que a morte é a coisa mais pesada existente e a única capaz de amolecer seu leitor? Engano leviano, pequeno gafanhoto. Além disso, examine o percurso do personagem, se ele sofre tanto, porque não vai ter o grande momento de catarse e sim a morte? Claro, existem histórias pautadas no drama e na grande lição de que a vida nem sempre é um mar de rosas e a morte é a catarse, mas se você não está nesse parâmetro e nem construiu sua trama dessa forma… Por que vai fazer seus leitores passarem por isso?

Matar por choque perde a graça rapidamente se é feito diversas vezes e o sentimento de morrer em vão é muito frustrante, principalmente quando o vilão acaba se redimindo no final. Por que c@#$% você vai matar todo mundo se o vilão ganha arco de redenção? Soa até engraçado.

Também mantenha em mente que o escapar da morte pode ser mais emocionante que necessariamente morrer.

Mortes em vão, desnecessariamente gráficas demais e sem consequência nenhuma acabam gerando uma banalização da morte e joga o fluxo ação e consequência no lixo, especialmente porque justamente falei da questão sobre a morte não ser a pior coisa a acontecer. Existem conflitos morais, físicos e existenciais muito mais severos.

Além disso, o grande efeito narrativo fica em quem vive. Quem já perdeu pessoas próximas sabe como o luto é algo que não se supera, mas se aprende a conviver. As personagens precisam sentir algo seja ao matar, perder alguém para a morte, ou a morrer, novamente estude bem o personagem e o tipo de história sendo feita. O sentimento de luto persegue, sufoca e mexe com a sanidade de alguém severamente em alguns casos. Você pode usar a morte para “se livrar” de personagens que se tornaram inúteis, mas saiba que não assumir o impacto deles na obra e não levar esse impacto adiante acaba decaindo muito a qualidade do trabalho.

Nisso de ação e consequência vale também pensar certinho em quem vai morrer e também se irá ser usado o artifício da RESSURREIÇÃO… Por tudo que é mais sagrado, use do foreshadowing e estude bem como isso vai ser feito, pois é necessário CONSEQUÊNCIA, especialmente quando se usa de magia e outros aspectos sobrenaturais.

Por fim, nós chegamos no ponto que me fez escrever esse artigo para começo de conversa: Jujutsu Kaisen. Não irei tratar de spoilers, pessoas morrem, mas não vou falar quem.

Durante uma entrevista, Gege Akutami, a mente por trás da obra, falou a seguinte frase (tradução livre): “Eu não me importo com quem morra, contanto que deixe a história interessante.”

O mundo de Jujutsu Kaisen é cruel e visceral, é apresentado várias cenas de violência e pelo tanto de personagens importantes que morrem acaba se tornando até curioso como ainda é publicado em uma revista disponível ao público de 12 anos, por exemplo.

E beleza, a história é construída para o choque e nos mostra todo o perigo a ser enfrentado pelos personagens, além de conseguir desenvolver bem a maioria deles na medida do possível, pois não podemos esquecer do sistema de trabalho aonde os mangakás estão inseridos, se tratando de uma jornada bem exaustiva e abusiva.

O problema é que se iniciou um grande massacre desenfreado no mangá e em capítulos distintos, não é algo contínuo. E mesmo com o tom ajustado, a trama cansou. Pois é, cansou. Foi tanta gente morrendo, mal aparecendo e já morrendo, que a história banalizou até demais a morte, acabou deixando desinteressante e tirou o apego de quem lê com a maioria dos personagens. As primeiras mortes são muito impactantes, Gege escolhe aqueles mais próximos do público, nem o personagem favorito dessa pessoa escapou… Mas para servir qual propósito? Provar a periculosidade? Mas você já provou. Quando chega na sexta morte (o que já é muito) você já não sente MAIS NADA.

Sinceramente só estou aguardando o desfecho da última batalha, sabendo muito bem do foreshadowing do primeiro capítulo quando o avô do protagonista morre. A morte é recorrente, te persegue, mas caramba… Está praticamente matando a história agora.

E é verdade que o autor deve manter a mente fria e saber matar personagens em nome do entretenimento, mas analise bem o que anda fazendo. A morte não é brincadeira nem na ficção, muito menos na vida real.

Se quiser tirar dúvidas ou me dar alguma sugestão (estou aceitando), podem ir lá na minha dm no tt (noiriot)! Não tenho bem um cronograma de quando postarei, mas creio não demorar muito, pois esse tipo de texto flui muito rápido.

Enfim, foi isso.

Agora pode ir. Seu pneu foi trocado, qualquer coisa a Oficina da Rin está a disposição.

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